E-NEWSAÚDE #1

Janeiro | Fevereiro 2016

Doação de óvulos

Uma solução a ter em conta

maternidade 1 artigo

Pelo Dr. Paulo Vasco, Especialista de Ginecologia e Obstetrícia, Medicina da Reprodução, na AVA Clinic

UMA DAS SITUAÇÕES MAIS DRAMÁTICAS NA SAÚDE REPRODUTIVA DA MULHER É A IMPOSSIBILIDADE DA CONCEÇÃO POR INSUFICIÊNCIA OVÁRICA, POR VEZES, EM IDADES MUITO PRECOCES. A DOAÇÃO DE ÓVULOS É UM DOS MÉTODOS DE TRATAMENTO INDICADOS PARA RESOLVER ESTE PROBLEMA, COM TAXAS DE SUCESSO ASSINALÁVEIS.

Embora não existam estatísticas exatas em Portugal, estima-se que a infertilidade conjugal atinja cerca de 15% a 20% dos casais em idade reprodutiva. Esta incidência, considerada pela Organização Mundial de Saúde como problema de saúde pública, tem sido crescente nos últimos anos e atribuída a fatores diversos, dos quais se destacam o adiamento da maternidade (sobretudo a idade da mulher quando pensa ter o primeiro filho), o sedentarismo, a exposição crescente a tóxicos (álcool, drogas e tabaco) e a poluentes, à prevalência das doenças sexualmente transmissíveis e à diminuição da qualidade do esperma.

Uma das situações mais dramáticas na saúde reprodutiva da mulher é a impossibilidade da conceção por falência dos ovários (insuficiência ovárica), traduzida pela diminuição do número de ovócitos, por vezes muito precoce, e à sua fraca qualidade, na maior parte das vezes relacionada com a idade da mulher.

Esta situação começa a ter particular importância a partir dos 35 anos e culmina numa quase total impossibilidade reprodutiva a partir dos 42-43 anos. Existem também várias doenças genéticas e adquiridas, em particular as oncológicas, que são responsáveis por uma percentagem importante dos casais que necessitam de doação.

A doação de ovócitos é um dos métodos de tratamento indicados para resolver estes problemas na mulher, com taxas de sucesso que rondam 55-60% por tentativa, sendo que mais de 85% conseguem um filho com um ou mais tratamentos.

ELEVADO SUCESSO

A doação de ovócitos foi realizada pela primeira vez em 1983, na Austrália, numa mulher de 25 anos. Rapidamente se generalizou a todo o mundo, dado permitir ultrapassar, com elevado sucesso, as situações de infertilidade feminina relacionadas com a qualidade e quantidade ovocitária.

Inicialmente, este tratamento destinava-se a mulheres com falência ovárica, mas foi sendo alargado a outros grupos: mulheres com ausência congénita de ovários, sujeitas a ooferectomia, com risco de transmissão de doenças genéticas, síndroma de Turner etc. Nos últimos anos, também veio beneficiar as mulheres em idade reprodutiva avançada, com uma reserva ovárica reduzida ou já na menopausa. Por outro lado, a taxa de sobrevivência ao cancro tem vindo a aumentar e estas mulheres jovens com falência ovárica causada pelos tratamentos também têm indicação para doação de óvulos, com ótimos resultados.

O PROCESSO DE DOAÇÃO

O processo de doação de ovócitos pode ocorrer de diferentes formas. Um dos primeiros métodos foi o chamado “egg-sharing”, no qual mulheres em tratamento de fertilidade partilhavam os seus óvulos com outras na mesma situação, a troco de um menor custo nos seus tratamentos. A generalização da criopreservação de embriões levou à diminuição desta prática, já que os casais optam por criopreservar os seus embriões no sentido de aumentar as probabilidades de sucesso, com contínuas transferências dos seus embriões criopreservados.

Um outro método era o recrutamento de dadoras, por casais, dentro do seu círculo de familiares e amigos. Neste processo, vulgarmente chamado de anonimato personalizado, ocorre uma troca de dadoras na qual o casal referencia alguém, cujos ovócitos são doados anonimamente a outro casal, recebendo em troca óvulos de uma dadora anónima.

Com a atual facilidade da colheita de ovócitos através de sonda vaginal ecograficamente guiada e sob sedação ou anestesia, reduziu-se muito o risco médico associado ao processo e eliminou-se a necessidade de intervenção cirúrgica com internamento. Por este facto, atualmente, a principal fonte de ovócitos é constituída por mulheres jovens que, de forma anónima e altruísta, se dispõem a doar os seus óvulos.

Porém, o número de mulheres dispostas a doar óvulos é insuficiente face ao crescente número de casais que deles necessitam, realidade que pode ser explicada pelo desconhecimento desta necessidade social, pela inexistência de campanhas de informação e, também, por algum preconceito e crítica associados ao facto de permitir a um casal ter um filho com o código genético da dadora e não da mãe.

ASPETOS POLÉMICOS

Um dos aspetos polémicos associados à doação de gâmetas é a existência de uma compensação financeira pelo desconforto e disponibilidade das dadoras, assim como pela aceitação de alguns riscos, embora pequenos, do tratamento.

Em Portugal, está legalmente contemplado o direito a uma gratificação, quase equivalente a um ordenado mínimo e meio, com o objetivo de colmatar incómodos causados por todo o processo no ato meritório da doação.

O mais importante, no entanto, é todo o processo de preparação psicológica e física, que engloba uma equipa multidisciplinar de ginecologistas, psicóloga, embriologistas, enfermeiros e outros elementos.

No nosso país, os tratamentos de doação de ovócitos começaram a ser oferecidos aos casais que deles necessitavam a partir do ano 2000, na AVA Clinic, uma clínica de fertilidade de origem finlandesa, dirigida por um médico português, que então se instalou em Lisboa, valendo-se da experiência que já detinha da casa-mãe.

Na altura, a doação de ovócitos não estava legislada, como não estavam, aliás, todos os outros tratamentos de infertilidade. A proposta de soluções terapêuticas como esta causava constrangimentos, dúvidas, receios e, naturalmente, a rejeição por muitos casais, apesar de já se praticar com bastante sucesso em toda a Europa e no resto do mundo.

No início, havia poucas dadoras e algumas vezes foi necessário que os casais se deslocassem, no final do tratamento, à Finlândia ou às outras clínicas do grupo para efetuarem com sucesso a doação.

REGULAMENTAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO

Contudo, as várias campanhas informativas de divulgação, a existência de equipas multidisciplinares preparadas para abordar todos os âmbitos deste tipo de tratamentos, assim como o aparecimento da Legislação e Regulamentação das Técnicas de Reprodução Medicamente Assistida (Lei 32/2006), tornaram o recurso à “doação de gâmetas” (óvulos ou espermatozoides) um tratamento possível e aceitável, incluído no vasto arsenal terapêutico disponíveis para ajudar a resolver os problemas da fertilidade.

Fruto de uma maior sensibilização pública, da divulgação do processo pelos meios de comunicação social e dos apelos públicos dos casais que necessitam de gâmetas femininos, tem-se assistido a um crescente aumento no número de dadoras e a uma notória evolução das próprias técnicas de doação. Neste âmbito, registou-se a criação de protocolos específicos de seleção das dadoras; de protocolos próprios para a estimulação dos ovários e colheita dos ovócitos; a diferenciação e especialização constante dos técnicos; e implementação de procedimentos laboratoriais, incluindo as técnicas de criopreservação (congelamento) destas células; tudo isto avanços capazes de otimizar sobremaneira os resultados, elevando as taxas ao nível dos valores de sucesso.

Segundo os últimos dados publicados pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, em 2012, realizaram-se mais de 400 tratamentos em Portugal com recurso a doação de ovócitos.

CRITÉRIO DE SELECÇÃO

O papel, a importância e os direitos das dadoras têm sido sempre considerados ao longo do tempo, pela aplicação de regras rigorosas, segundo os padrões europeus mais recentes, permitindo que se verifique um aumento da colaboração das mulheres que doam, melhorando o contributo que é prestado aos casais recetores.

As dadoras procuram habitualmente uma clínica de fertilidade para doar ou saber como se realiza o processo de doação em si. Qualquer mulher saudável e abaixo dos 35 anos pode candidatar-se à doação, mas só uma parte o pode ser, depois de efetuada uma avaliação psicológica cuidada, seguida de consulta médica e exames auxiliares rigorosos, nomeadamente imagiológicos, analíticos e genéticos. Não são aceites para doação mulheres com menos de 18 anos nem acima dos 35 anos, podendo cada uma realizar até três doações.

Na realização de um ciclo “a fresco”, a dadora e a recetora realizam os seus tratamentos em simultâneo, até à colheita dos óvulos para fertilizar. Recentemente, tem-se optado também pelo uso de óvulos criopreservados, oriundos de bancos de óvulos, pela crescente procura desta solução terapêutica. Isto tem sido possível graças aos grandes avanços a que assistimos nas técnicas de criopreservação, obtendo-se taxas de sobrevivência dos óvulos no “descongelamento” e taxas de gravidez muito próximas das existentes nos tratamentos “a fresco”.

AUSÊNCIA DE APOIOS

Apesar dos avanços promissores que se têm verificado nestas áreas e da possibilidade de resolver situações que, há relativamente poucos anos, eram vistas como uma impossibilidade total e definitiva de ter filhos, verifica-se a ausência de apoios que abram portas a mais casais que necessitam destes tratamentos. E, por mais estranho que possa parecer, não existe qualquer comparticipação do Estado para que os mesmos possam realizar-se em centros privados, em regime de “encaminhamento”. Seguindo o mesmo raciocínio, não existem em Portugal seguradoras que considerem a infertilidade como uma doença, retirando estes tratamentos dos sistemas de compensação. Assim, muitos casais motivados para ter um ou mais filhos são impedidos de o tentar.

Resta-nos deixar alguns alertas no sentido de inverter esta tendência social, chamando a atenção para aspetos como: a importância do rastreio ginecológico periódico da mulher e da fertilidade do casal; a importância da idade da mulher no que respeita ao timing em que decide ter o primeiro filho; e ainda a importância do tempo passado em tentativas para conseguir uma gravidez.

INTERVIR A TEMPO

Na prática, acima dos 35 anos, é aceitável recorrer a um médico especialista para uma investigação específica da fertilidade, quando o tempo decorrido em tentativas para conseguir uma gravidez ultrapasse os 6 a 7 meses, com uma atividade sexual conjugal regular. Muitos destes casos podem ser triados a tempo de agir, sem a necessidade de recorrer a medidas extremas, como o recurso à doação.

Para além da idade da mulher, a capacidade para ter um filho depende também da boa saúde física e psicológica da mulher e do homem, da viabilidade do útero e da restante saúde ginecológica. Estas são características fundamentais para os casais obterem a tão desejada gravidez e garantirem a saúde dos seus filhos.

Felizmente, com o avanço da Medicina, é possível ajudar a maioria dos casais a concretizar o sonho das suas vidas, para além de contribuírem para o aumento da natalidade em Portugal.

É possível que, num futuro próximo, os tratamentos de fertilidade possam ser alargados a mulheres solteiras e casais de mulheres, sendo que a sociedade necessita de refletir sobre as condições necessárias para garantir a saúde e bem-estar físico e psicológico das famílias e das crianças.

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