E-NEWSAÚDE #2

Março | Abril 2016

Saúde e Hepatologia

Conselhos para o bem-estar do fígado

doencas 1 artigo

Pelo Prof. Rui Tato Marinho, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

O FÍGADO TINHA ERA UM ÓRGÃO QUASE DESCONHECIDO E ALGO MISTERIOSO, ATÉ HÁ ALGUNS ANOS. A VIDA NÃO É POSSÍVEL SEM O FÍGADO OU QUANDO ELE ESTÁ MUITO DOENTE. AO CONTRÁRIO DO RIM, NÃO HÁ UMA MÁQUINA (HEMODIÁLISE) QUE O SUBSTITUA. IMPORTA SABER, POIS, COMO PRESERVÁ-LO.

Que órgão é este e o que faz? O fígado é um dos órgãos mais pesados do corpo humano, com cerca de 1,5kg, tem cor castanho escuro e localiza-se à direita, na parte superior do abdómen, protegido pelas costelas. Há quem diga que tem cerca de 5000 funções!

NO “TOP” DA MORTALIDADE

A dimensão das doenças do fígado é tal que se calcula que, em Portugal e na Europa, sejam a sétima causa de morte. Estima-se que possam morrer em Portugal cerca de 2500 pessoas por ano devido a doenças do fígado e das vias biliares. Já agora, convém explicar que as vias biliares são “canais” muito finos que transportam a bílis do interior do fígado para o intestino.
Em Portugal, as doenças do fígado matam muito mais do que outras bem conhecidas do grande público, como sejam a SIDA ou o melanoma. Quando se fala em mortes por doenças do fígado, há que considerar um conjunto de várias situações: cirrose hepática, cancro do fígado e doença do fígado associado à infeção pelo VIH (a chamada coinfeção, quando se é portador dos dois vírus, VIH e vírus da hepatite C).

AS MAIS GRAVES

As doenças mais graves são a cirrose e o cancro primitivo do fígado. A cirrose é um estado de destruição do fígado: o órgão fica repleto de “cicatrizes”, muito duro, por vezes como uma pedra, reduz-se de tamanho e a sua superfície torna-se irregular, como estivesse cheio de “caroços”. As causas principais de cirrose são três: o consumo excessivo de álcool, a hepatite C e o excesso de peso. Esta última causa é um problema crescente.
ÁLCOOL – Portugal é dos países do Mundo onde se consomem mais bebidas alcoólicas. Pensa-se que possam existir em Portugal cerca de 1,5 milhões de portugueses com consumo excessivo de álcool, dos quais metade podem ser considerados alcoólicos. O consumo excessivo ao fim-de-semana tem sido muito frequente nos jovens, sendo chamado também de “binge-drinking”. Define-se pelo consumo rápido de álcool: 5 bebidas em duas horas no sexo masculino e 4 no sexo feminino.
HEPATITE C – Estima-se que possam existir em Portugal cerca de 70.000 a 100.000 pessoas com o teste positivo para a hepatite C (anti-VHC). Mas nem todos terão o vírus ativo. O Infarmed identificou nos hospitais do SNS cerca de 13.000 infetados. Destes, estima-se que 40% possam já ter cirrose e, portanto, um risco muito elevado de evolução para cancro do fígado.

NOVOS E EFICAZES TRATAMENTOS

Há novos medicamentos para o tratamento da hepatite C, com 90 a 95% de eficácia e poucos efeitos secundários. Já não são necessárias as antigas injeções plenas de efeitos secundários. Os novos medicamentos curam a hepatite C na generalidade, em 8 a 12 semanas. Se, ao fim de 12 semanas após o fim do tratamento, a análise ao vírus estiver negativa, a pessoa está curada para toda a vida. O Estado comparticipa integralmente um dos medicamentos para todos os infetados. O seu nome é Sofosbuvir (associado ou não a outro, designado Ledipasvir). O tratamento consiste, na grande maioria dos casos, num comprimido diário. Os benefícios de se eliminar o vírus da hepatite C são múltiplos: a doença para a sua progressão, deixa-se de ser contagioso, a cirrose pode regredir e o risco de cancro quase que se anula.

O PROBLEMA DA OBESIDADE

A obesidade e a diabetes levam à acumulação de gordura no fígado. Este excesso de gordura chama-se esteatose, que poderá conduzir a uma inflamação do fígado, provocando alteração das suas análises. Nesta fase, chama-se de esteato-hepatite não alcoólica. Esta doença pode comportar-se como uma cirrose, em tudo semelhante à alcoólica, com todo o seu rol de complicações. Portugal tem dos índices mais graves de obesidade infantil. O impacto vai ser bem mais grave daqui a alguns anos, quando a geração da obesidade infantil chegar aos 40 anos. E as doenças do fígado associadas à obesidade e diabetes vão começar a surgir em maior número. Recordo que são elas a esteatose, a esteato-hepatite não alcoólica, a cirrose e o cancro do fígado.

SINTOMAS DA CIRROSE

Um dos grandes problemas da cirrose reside no facto de que pode existir durante alguns anos sem sintomas. Esta é a chamada fase da cirrose compensada. A pessoa pode fazer a vida normal, sem se aperceber que o seu fígado pode estar muito doente. Quando surgem os sintomas, é a chamada fase da cirrose descompensada. Nesta fase, a esperança média de vida é de 2 anos e o transplante pode ser a única solução viável. Mas como se manifesta o mau funcionamento do fígado? Cada doente é um caso particular. Um dos principais sintomas é a chamada ascite ou “barriga-de-água”. O doente fica como se estivesse grávido, podendo acumular até 15-20 litros de líquido amarelado, semelhante a urina, no abdómen. Outros sintomas são a icterícia (olhos e pele amarela), alterações mentais (encefalopatia), infeções graves e vómitos de sangue (chamads hematemeses, podem ser causados por rotura de veias muito grandes que surgem no esófago, as varizes esofágicas), entre outros.

DA CIRROSE AO CANCRO DO FÍGADO

O cancro do fígado tem outras designações, como tumor primitivo do fígado ou carcinoma hepatocelular. É um dos cancros que mais mata a nível mundial. Em Portugal, o número de mortos ultrapassa os da SIDA. O tumor primitivo do fígado é aquele que tem origem nas células do próprio fígado e não noutro órgão. Os tumores malignos do fígado que têm origem noutros órgãos são as chamadas metástases. São ramificações de tumores malignos de outros órgãos (pulmão, cólon, a mama, etc). Aquele é o segundo tumor maligno com pior prognóstico, a seguir ao cancro do pâncreas. A probabilidade de se morrer, ao fim de cinco anos, é de 95 por cento. A cirrose é das doenças com um dos maiores potenciais para desenvolver cancro. O risco de isso acontecer oscila entre 10 e 40%, ao fim de 10 anos. Com efeito, as causas principais do cancro do fígado são as cirroses alcoólicas e aquela associada à hepatite C. O cancro do fígado é passível de ser detetado precocemente, através do rastreio em quem tem cirrose. Este rastreio deve ser obrigatório. O modo mais eficaz de detetar o cancro do fígado é realizando uma ecografia abdominal, de 6 em 6 meses. Habitualmente, é possível detetar o cancro numa fase precoce, ainda com pequenas dimensões, ou seja, inferior a 5 cm. Nesta fase, ainda é possível conseguir o seu controlo parcial. No entanto, as medidas mais eficazes, quando aplicáveis e possíveis, são a cirurgia para remover o tumor ou mesmo o transplante do fígado.

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