AS CÉLULAS ESTAMINAIS TÊM CAPACIDADE PARA DAR ORIGEM ÀS CÉLULAS ESPECIALIZADAS QUE CONSTITUEM OS TECIDOS E ÓRGÃOS DO CORPO. POR PERMITIREM A REPARAÇÃO DOS TECIDOS DANIFICADOS E SUBSTITUIÇÃO DAS CÉLULAS QUE VÃO MORRENDO TÊM UM ENORME POTENCIAL NO TRATAMENTO DE DIVERSAS DOENÇAS. CONHEÇA OS MAIS RECENTES AVANÇOS NA SUA INVESTIGAÇÃO.
Células estaminais são, por definição, células que se podem diferenciar em diferentes tipos de células, autorrenovar e dividir indefinidamente. As células estaminais podem ser classificadas em função da sua origem e/ou da sua capacidade de diferenciação, em dois tipos principais: embrionárias e adultas. As células estaminais embrionárias, presentes numa fase muito inicial do desenvolvimento humano, conseguem dar origem a todos os tipos de células que constituem o nosso organismo. As células estaminais adultas encontram-se em muitos tecidos do organismo adulto, permitindo a renovação e reparação dos tecidos de que fazem parte. Alguns tecidos neonatais, como o sangue e o tecido do cordão umbilical, contêm também populações de células estaminais adultas (por se obterem após o nascimento), com interesse terapêutico.
Recentemente, descobriu-se que células maduras especializadas podem ser reprogramadas para se tornarem células imaturas, capazes de dar origem a todos os tecidos do corpo. As células assim obtidas designam-se células estaminais pluripotenciais induzidas, iPSC, e têm o potencial de poderem vir a revolucionar a realidade terapêutica, ao permitirem a regeneração de qualquer tecido/órgão lesado. Isto poderá contribuir para a cura de patologias atualmente sem tratamento.
A capacidade das células estaminais se diferenciarem em vários tipos de células, podendo substituir células lesadas ou destruídas e regenerar tecidos danificados, explica o grande interesse na utilização destas células no contexto clínico. As células estaminais hematopoiéticas são as que têm tido maior relevância a nível prático, particularmente em doenças nas quais é necessário regenerar o sistema sanguíneo e imunitário do doente. No indivíduo adulto, estas células estaminais estão maioritariamente localizadas na medula óssea, e originam todas as células do sangue: glóbulos vermelhos, plaquetas e todas as células do sistema imunitário. O sangue do cordão umbilical é também uma importante fonte de células estaminais hematopoiéticas, razão pela qual se tornou, nos últimos anos, numa alternativa à medula óssea nos transplantes hematopoiéticos.
O sangue do cordão umbilical (SCU) é atualmente considerado uma fonte de células estaminais para o tratamento de mais de 80 doenças, que incluem doenças hematológicas, imunológicas e metabólicas, tendo em 2015 sido contabilizados mais de 40.000 transplantes com SCU, em todo o mundo. Para além disso, a sua utilização encontra se em estudo em ensaios clínicos, em doenças como paralisia cerebral, autismo, diabetes tipo 1 e lesões da espinal medula, entre outras, o que poderá aumentar o leque de aplicações clínicas.
O tecido do cordão umbilical (TCU) é muito rico num outro tipo de células, as células estaminais mesenquimais, capazes de modular a resposta imune e de originar células de vários tecidos, podendo vir a ser úteis no tratamento de um conjunto alargado de doenças, fora do contexto hematológico. Também o seu potencial clínico se encontra em estudo, em ensaios clínicos, em diversas doenças.
Dadas as aplicações atuais e o crescente número de ensaios clínicos com células estaminais do SCU e do TCU, assume cada vez mais importância a criopreservação destas células, cuja colheita pode apenas ser feita no momento do parto.
A investigação científica no campo das células estaminais está a produzir resultados a um ritmo alucinante. Praticamente todos os meses são divulgados novos estudos sobre possíveis avanços científicos relativamente à utilização deste recurso no tratamento ou reversão de diferentes patologias.
A utilização de células estaminais em transplantes que visam tratar doenças do sangue (leucemias e alguns géneros de anemias) e doenças do sistema imunitário é já um dado adquirido na comunidade científica. No entanto, novos estudos atestam que as células estaminais podem também ser uma mais valia no tratamento de doenças metabólicas, o que alarga o seu espetro de utilidade e justifica a atenção crescente perante a possibilidade de criopreservar as células estaminais para utilização futura. Um estudo publicado pelo banco público de células estaminais de Nova Iorque reforça a importância das células estaminais hematopoiéticas no tratamento eficaz de mais de 80 patologias e dá relevo à descobertas nesta área.
Neste momento, estão a ser efetuados estudos que comprovam o alargamento do espetro de ação e aplicação das células estaminais hematopoiéticas, apontando-as como um fator decisivo no tratamento de doenças como a paralisia cerebral, o autismo, diabetes tipo 1 e displasia broncopulmonar. Outro tipo de células estaminais cujos avanços têm sido notáveis são as células estaminais mesenquimais que, utilizadas em conjunto com as já referidas células estaminais hematopoiéticas, potenciam o sucesso dos transplantes alogénicos (em que existe grande risco de rejeição do transplante no paciente). Existem, de momento, mais de 400 estudos que visam comprovar e aprofundar as possibilidades de atuação das células mesenquimais em casos de diabetes, colite ulcerosa, cirrose hepática, cardiomiopatias, esclerose múltipla, lupus e doença do enxerto contra o hospedeiro.
Pela Dr.ª Teresa Matos Doutorada em Biologia Celular e Investigadora da Crioestaminal
Em abril último, foram publicados no site da revista The Lancet os resultados de um ensaio clínico de fase 2 que testou um tratamento com células estaminais autólogas em doentes com insuficiência cardíaca.
A insuficiência cardíaca ocorre quando o coração fica debilitado e deixa de ter capacidade de bombear o sangue em volume suficiente para satisfazer as necessidades dos diferentes órgãos. É uma doença que afeta principalmente pessoas mais velhas, sendo a principal causa de hospitalização de indivíduos com mais de 65 anos e estando associada a uma elevada mortalidade. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 2014, as doenças circulatórias continuaram a ser a principal causa de morte em Portugal. As causas para a insuficiência cardíaca são variadas, não existindo atualmente tratamentos eficazes para parar a progressão desta doença. Neste contexto, um grupo de investigadores desenvolveu um ensaio clínico com o objetivo de testar a eficácia e segurança de um produto baseado em células estaminais mesenquimais da medula óssea (o Ixmyerlocel-T) para o tratamento de insuficiência cardíaca associada a cardiomiopatia dilatada isquémica.
O Ixmyerlocel-T é um produto celular obtido a partir da medula óssea do próprio doente, com capacidade para regenerar o músculo cardíaco e reduzir a inflamação. O ensaio clínico incluiu 126 doentes terminais de vários centros transplantação dos Estados Unidos (para quem um transplante de coração era a única opção) e os investigadores verificaram que, ao fim dos 12 meses após o tratamento, os doentes que receberam as células provenientes da sua própria medula óssea mostraram uma menor taxa de morte e de hospitalização por insuficiência cardíaca, que se traduziu numa redução de cerca de 37% da incidência de episódios cardiovasculares nestes doentes. Verificaram ainda que estes doentes tinham uma menor incidência de efeitos adversos e complicações.
O grupo pretende confirmar estes resultados através da realização de um ensaio clínico de fase 3 para determinar se esta terapêutica poderá vir a constituir uma alternativa aos tratamentos atuais para a insuficiência cardíaca terminal.
Um estudo realizado por investigadores portugueses da ECBio, e publicado este ano na revista Stem Cells International, acaba de demonstrar que as células estaminais obtidas a partir do tecido do cordão umbilical são superiores comparativamente às células estaminais da medula óssea, atualmente consideradas o “gold standard” da terapia celular na área das doenças imunológicas. A superioridade ficou comprovada não só in vitro, mas também in vivo, em modelos animais de doenças autoimunes, como é o caso da artrite reumatoide.
“O tratamento de doenças do foro imunológico tem sido uma das maiores áreas de utilização da terapia celular envolvendo células estaminais do tecido do cordão umbilical. As células estaminais podem ser obtidas de vários tecidos, sendo a fonte mais comum a medula óssea. Existem, no entanto, outras fontes, como o tecido adiposo (gordura), o sangue periférico e, mais recentemente, o tecido do cordão umbilical. Embora todos estas células possuam características que permitem que sejam denominadas de mesenquimais, na verdade células obtidas de tecidos diferentes ou obtidas do mesmo tecido com métodos diferentes, apresentam propriedades distintas” explica o Prof. Hélder Cruz, Investigador em Biotecnologia da ECBIO.
As células UCX – obtidas do tecido do cordão umbilical por um processo desenvolvido e patenteado pela ECBio – foram avaliadas em três aspetos diferentes de interação com células do sistema imunitário. Os resultados foram claros: as células UCX apresentam um menor risco de rejeição e uma eficácia superior no tratamento de doenças autoimunes do que as células da medula óssea. Além disso, não necessitam de ativação prévia: em caso de necessidade, estão prontas a ser utilizadas. Este facto foi também confirmado in vivo num modelo de artrite reumatoide.
“Estes resultados são um passo importante para a aprovação das células UCX como medicamento de terapia avançada para doenças do foro imunológico. Até à data, estas células demonstraram potencial terapêutico no tratamento de doenças inflamatórias autoimunes, como a artrite reumatoide, e doenças cardiovasculares, como o enfarte do miocárdio e a doença arterial periférica. A forma de aplicação desta terapia celular com recurso a células estaminais do tecido do cordão umbilical implica a criopreservação, um serviço que tem vindo a ganhar mais credibilidade no nosso país. Mas é preciso ter em atenção que nem todas as empresas fazem o isolamento das células estaminais do tecido, ou asseguram elevada quantidade das mesmas, o que pode levar a que as células não desempenhem a ação terapêutica desejada quando necessárias” conclui o especialista.
Investigadores do City of Hope National Medical Center, em Duarte, California, desmistificaram a ideia de que pacientes com linfoma associado ao HIV poderiam não suportar um transplante autólogo devido a complicações secundárias. A descoberta mais impressionante deve-se ao facto de os pacientes terem apresentado certa regressão na infeção do vírus, diminuindo o nível de infeção e em alguns casos estagnando a sua evolução.
A realização de um transplante autólogo de células estaminais hematopoiéticas a 40 pacientes com linfoma de Hodgkin e Não-Hodgkin obteve resultados que superaram as expetativas: a taxa de sucesso sem efeitos colaterais foi de 87,3%, verificando-se uma mortalidade de apenas 5,2%, causada sobretudo por recorrência de cancro e problemas cardíacos.
“Estudos deste género demonstram que existe um enorme campo de exploração no que diz respeito à relação entre as células estaminais e o HIV, tendo em conta que a sua aplicabilidade como uma forma de recuperação dos efeitos nefastos da quimioterapia no organismo não só potencia um maior sucesso no tratamento do cancro, como mantém a carga viral controlada. É positivo que exista uma nova solução para as comorbidades associadas ao HIV, neste caso o linfoma”, comenta Patrícia Cruz, diretora do Banco de Tecido de Células da Cytothera.
As descobertas deste estudo permitem posicionar as células estaminais como um antídoto relativamente aos efeitos nocivos da quimioterapia, sendo essa a sua função no tratamento. Esta é uma descoberta importante porque o linfoma é uma das maiores causas de morte entre pacientes com HIV. Atualmente, estão a ser realizadas pesquisas para averiguar a segurança da aplicação de células estaminais hematopoiéticas no tratamento de leucemias.