Vesícula biliar
O que fazer quando surgem as “pedras”?
A VESÍCULA BILIAR É UM ÓRGÃO DE GRANDE IMPORTÂNCIA NA DIGESTÃO, MAS DO QUAL SÓ NOS LEMBRAMOS QUANDO SE PRODUZEM OS TRANSTORNOS. PARA QUE SERVE E COMO PODEMOS VIVER SEM ELA SÃO ALGUMAS DAS MUITAS QUESTÕES ÀS QUAIS DAREMOS RESPOSTAS.
Não é raro ouvir alguém referir que sofre de fortes dores causadas por “pedras na vesícula”. E, com efeito, podem formar-se pedras ou areias na vesícula biliar, as quais impedem a correta digestão. Mas sabe o que são realmente e o que pode fazer para as prevenir?
A vesícula biliar é um órgão em forma de pera, que se encontra situado na parte inferior do fígado. É uma espécie de bolsa que guarda a reserva de bílis segregada pelo fígado. Por seu lado, a bílis é uma substância que serve para digerir as gorduras que consumimos. Quando acaba de sair do fígado, a sua textura é muito líquida e, uma vez na vesícula, adquire a espessura necessária para cumprir a sua função adequadamente. A vesícula é, assim, a encarregue de concentrar e espessar a bílis, eliminando o excesso de água e criando, em seguida, uma reserva para quando os alimentos chegarem ao estômago.
Quando o funcionamento da vesícula biliar é normal, durante e depois das refeições, a secretina e a colecistoquinina – hormonais gastrintestinais – fazem com que a vesícula se contraia e expulse a bílis para o duodeno, através de um canal designado por colédoco ou canal biliar comum.
TERRÍVEIS PEDRAS
Os problemas surgem quando, por alguma razão, este processo se altera e a bílis se torna excessivamente espessa. Nestes casos, podem formar-se cálculos, popularmente conhecidos por areias ou pedras.
Se sente as digestões muito pesadas, um certo sabor amargo na boca e uma ligeira dor na zona superior direita do abdómen, tem elementos suficientes para suspeitar da presença de cálculos biliares, ou seja, aquilo que cientificamente se designa por colelitíase.
Estes cálculos formam-se pela acumulação de cristais de colesterol, devido a uma alteração na relação entre as proporções de sais biliares, pigmentos biliares e colesterol. Quando a vesícula tenta expulsar a bílis e as pedras impedem a sua saída, produz-se a chamada cólica biliar, a qual pode ser bastante dolorosa.
SINTOMAS DOLOROSOS
Esta disfunção na vesícula ocorre com bastante frequência, embora, em muitas ocasiões – cerca de 40% dos casos –, não produza sintomas e o indivíduo não se dê conta.
Porém, quando há sintomas, estes são dolorosos e costumam produzir-se após as refeições, especialmente se a comida era rica em gorduras. A dor localiza-se na parte superior direita do abdómen e pode irradiar para as costas, produzindo também calafrios, febre e icterícia – cor amarelada na pele e nos olhos.
Esta afeção é mais frequente nas mulheres do que nos homens e afeta, sobretudo, pessoas a partir dos 40 anos, embora também possa surgir mais cedo.
COMPLICAÇÕES
Quando se sentem os incómodos acima descritos, há que acorrer ao médico, porque a colelitíase, ainda que não seja grave, pode dar origem a complicações.
São as seguintes as complicações mais comuns:
COLECISTITE AGUDA – Tendo sofrido ou não cálculos biliares, alguns pacientes sofrem uma infeção da vesícula. Trata-se de um quadro sério e potencialmente grave, que exige tratamento médico e, por vezes, cirúrgico, uma vez que pode derivar em perfuração da vesícula, com formação de abcesso abdominal e infeção peritoneal.
Em 95% dos casos, a colecistite aguda resulta da obstrução do canal cístico – canal que liga a vesícula ao canal biliar comum – por um cálculo. A inflamação deve-se à distensão da parede da vesícula, à irritação causada pela alteração de algumas substâncias químicas da bílis estagnada e, na maioria dos casos, à infeção por bactérias.
O episódio pode começar como uma cólica biliar, que vai piorando progressivamente; é acompanhada de febre e, ocasionalmente, de icterícia. O tratamento mais indicado é a operação urgente, para extirpar a vesícula. Também é possível tratá-lo apenas com antibióticos e medidas conservadoras, mas, nestas condições, cerca de 25% dos doentes sofrem complicações sérias, que acabam por obrigar à intervenção.
ICTERÍCIA OBSTRUTIVA – Deve-se, igualmente, à saída de um cálculo, que fica “preso” no canal biliar comum, obstrução que impede a drenagem do fígado, produzindo icterícia.
DIAGNÓSTICO SIMPLES
O diagnóstico de colelitíase é muito simples de estabelecer e, em muitas ocasiões, dada a sua frequência, é uma constatação casual. De facto, até à introdução da ecografia, os cálculos apenas podiam ver-se utilizando raios X. Com a radiografia simples do abdómen, apenas podem detetar-se aqueles que contêm cálcio suficiente para serem rádio-opacos, pelo que pareciam menos frequentes.
A generalização da ecografia abdominal fez aumentar enormemente o número de diagnósticos de colelitíase – pois deteta mais de 95% dos casos. Com a ecografia, é possível identificar cálculos desde os 2 mm. Como este exame é cada vez mais usado em qualquer doença abdominal, não é de estranhar a descoberta ocasional de cálculos não conhecidos.
TRATAMENTO
Muitos cálculos biliares não produzem sintomas nem complicações, pelo que se discute, inclusivamente, se a sua presença é ou não uma doença. De facto, como já referimos, os sintomas são devidos, em quase todos os casos, à saída dos cálculos da vesícula, para os canais adjuntos, com a consequente inflamação ou obstrução.
O diagnóstico de uma colelitíase numa pessoa sem sintomas ou com sintomas inespecíficos é bastante frequente. O risco de apresentar sintomas ou complicações é baixo: menos de 10% após 5 anos sobre o diagnóstico da doença; e cerca do dobro das probabilidades após 15 anos. A maioria dos doentes nunca chega a ter sintomas. Por estas razões, muitos médicos defendem que não é recomendável extrair a vesícula se não existirem sintomas.
Pelo contrário, se se apresentarem sintomas incómodos ou mesmo complicações, deve levar-se a acabo a intervenção cirúrgica, através da qual se irá retirar a vesícula.
Chegado a este ponto, existem dois tipos possíveis de cirurgia: a cirurgia aberta, tradicional e uma técnica mais moderna, a laparoscopia. Cada caso concreto indicará o uso de uma ou de outra, dependendo de fatores como a urgência da intervenção, o tipo de complicações surgido, etc.
CIRURGIA LAPAROSCÓPICA
Esta técnica foi introduzida em 1987 e, a partir do início dos anos 90, converteu-se num dos procedimentos mais habituais para a extirpação da vesícula.
É uma cirurgia com anestesia geral, na qual se introduzem quatro tubos muito finos na cavidade abdominal, por onde passam os instrumentos a utilizar na intervenção e o laparoscópio, isto é, a câmara que permite visionar todos movimentos. O especialista efetua a operação olhando para um monitor, no qual se observam as imagens, amplificadas e com boa qualidade, da vesícula e dos órgãos adjacentes.
Esta técnica caracteriza-se por uma recuperação mais rápida do doente, já que é muito pouco agressiva e as cicatrizes são mínimas, pelo que tem um pós-operatório muito confortável, com poucas dores e apenas um dia de internamento ou mesmo em regime ambulatório.
CIRURGIA CONVENCIONAL
Quando a intervenção apresenta um certo grau de urgência – porque a infeção já está muito avançada – recorre-se à cirurgia convencional. Efetua-se, obviamente, com anestesia geral e extirpa-se a vesícula, através de um corte no abdómen. A cicatriz daí resultante é francamente maior e o pós-operatório mais longo e doloroso.
E DEPOIS DA INTERVENÇÃO?
Uma vez extirpada a vesícula, produz-se uma ligeira dilatação espontânea dos canais biliares, que passam a ser os responsáveis pelo armazenamento da bílis, libertando-a quando se inicia a digestão dos alimentos.
O organismo suprime, assim, a necessidade da vesícula, continuando a funcionar corretamente e sem necessidade de instituir uma dieta restrita. Portanto, a vida após uma operação para retirar a vesicular biliar prossegue normalmente, não obrigando a medicação.
No entanto, uma pequena percentagem de doentes operados à vesícula sofre incómodos semelhantes aos que tinham antes da intervenção: é a chamada síndroma pós-colecistectomia, a qual torna necessária a administração de fármacos para controlar os incómodos.
Composição dos cálculos biliares
DE COLESTEROL E MISTOS
O colesterol, em si, é insolúvel na água: exige a presença de ácidos biliares e lecitina para se dissolver, assim como de substâncias que evitem a sua cristalização. Quando a sua quantidade é excessiva ou a dos seus dissolventes escassa, formam-se pequenos cristais de mono-hidrato de colesterol, que vão aderindo uns aos outros, aumentando de tamanho.
Além do colesterol, os cálculos mistos podem conter uma mistura de sais de cálcio, ácidos e pigmentos biliares, proteínas, fosfolípidos e ácidos gordos.
PIGMENTARES
Contêm quase exclusivamente bilirrubina de cálcio – e menos de 10% de colesterol. A bilirrubina une-se, no fígado, a substâncias que a tornam solúvel – isto é, “conjuga-se”. Quando há um excesso de bilirrubina não conjugada – nas anemias hemolíticas ou na cirrose ou, ainda, quando existem infeções que a desconjugam –, a dita substância precipita em forma de cristais.
Fatores que predispõem à colelitíase
CÁLCULOS DE COLESTEROL E MISTOS
- Obesidade, dietas ricas em calorias
- Hormonas femininas, contracetivos orais
- Idade avançada, sobretudo nos homens
- Gravidez
- Diabetes mellitus
- Fatores genéticos
- Má absorção intestinal
CÁLCULOS PIGMENTARES
- Anemias por hemólise
- Cirrose alcoólica
- Infeções e parasitoses biliares crónicas
- Idade avançada
- Viver em zonas rurais
Alternativas à cirurgia
Além da extirpação da vesícula e dos seus cálculos, existem outras opções terapêuticas:
- DISSOLUÇÃO COM ÁCIDOS BILIARES
O tratamento prolongado – de um a três anos – com ácidos biliares permite dissolver alguns cálculos de colesterol ou mistos; contudo, não é eficaz nos cálculos pigmentares, naqueles que se veem na radiografia – rádio-opacos –, nem nos que têm um diâmetro superior a 15 mm.
Além da sua grande duração, este tratamento conta com o inconveniente de poder produzir efeitos secundários no fígado, para além de que os cálculos reaparecem em quase metade dos doentes.
- INSTILAÇÃO VESICAL
Uma abordagem mais moderna consiste na instilação direta na própria vesícula de dissolventes, através de catéteres que se inserem na pele. Este é, precisamente, o seu inconveniente, mas trata-se de uma técnica rápida.
- LITOTRÍCIA BILIAR
Consiste na destruição dos cálculos com ondas de choque extra-corpóreas. É útil naqueles pacientes que apresentam menos de quatro cálculos pequenos ou médios, não visíveis nas radiografias. Pode associar-se a técnicas de dissolução. Porém, as esperanças despertadas por esta técnica não se viram totalmente confirmadas.
Dieta para a vesícula
A dieta desempenha um papel muito importante nos problemas da vesícula. Uma alimentação adequada pode ajudar bastante na prevenção da colelitíase e, em pessoas que já padeçam deste problema, pode fazer com que o órgão repouse e, com isto, previna os sintomas agudos da doença.
Existem alguns alimentos recomendados e outros que devem ser evitados, para que vesícula funcione normalmente.
ALIMENTOS ACONSELHADOS
- Leite e derivados: de preferência magros.
- Carne, peixe e ovos: carnes pouco gordas, peixes brancos, ovos mexidos, escalfados ou cozidos. Fiambre de frango ou peru.
- Cereais e batatas: pode consumi-los livremente, mas não os cozinhe com ingredientes gordos. O pão é melhor se for torrado, a massa deve ser bem cozida e os cereais integrais.
- Verduras e hortaliças: todas, salvo as indicações da alínea “Alimentos limitados”. Toleram-se melhor cozidas e em puré.
- Frutas: há que dar preferência à fruta fresca e madura, mas pode ingeri-la em batidos, assada, em compota ou em puré.
- Bebidas: água, caldos magros, infusões suaves, sumos sem açúcar – exceto o de laranja – e bebidas sem gás.
- Gorduras: azeite, óleo de sementes – girassol, milho ou soja – e manteiga light.
- Outros produtos: pode comer marmelada, embora com moderação.
ALIMENTOS PERMITIDOS
De consumo moderado ou ocasional.
- Leite e derivados: requeijão e iogurte de aromas ou pedaços de fruta.
- Fiambre e presunto: de preferência, magros.
- Cereais: de pequeno-almoço açucarados e integrais e, também, bolachas tipo Maria.
- Leguminosas: transformadas em puré.
- Bebidas: são admissíveis os sumos caseiros.
- Gorduras: pode usar maionese light.
- Outros produtos: mel – pode provocar acidez; bolos caseiros confecionados com pouca gordura; gelatina de frutas.
ALIMENTOS LIMITADOS
De consumo esporádico ou em pequenas quantidades.
- Leite e derivados: tente evitar todos os lácteos que não sejam baixos em matéria gorda.
- Carne gordas: produtos de charcutaria, enchidos gordos, patés, peixes gordos e peixes cozinhados em escabeche.
- Cereais e leguminosas: pão fresco tipo baguete e massa mal cozida, uma vez que fermenta no estômago e provoca incómodos; leguminosas cozinhadas com ingredientes gordos, como bacon.
- Verduras e hortaliças: evite as que provocam flatulência, como a couve, a couve-flor, o repolho, as couves-de-bruxelas, as alcachofras, a cebola e o pimento cru.
- Frutas: limite o consumo de todas as frutas que estejam ainda verdes, bem como de frutas ácidas, como a laranja ou a tangerina, e os frutos secos, que são demasiado gordos e obrigam a vesícula a trabalhar em excesso.
- Bebidas: café e chá, bebidas com extratos de café ou de guaraná, sumo de laranja, bebidas com chocolate, bebidas com gás e bebidas alcoólicas.
PAG: A infeção da vesícula é um quadro sério e potencialmente grave, que exige tratamento médico e, por vezes, cirúrgico, uma vez que pode derivar em perfuração
PAG: A cirurgia laparoscópica caracteriza-se por uma recuperação mais rápida do doente, já que é muito pouco agressiva e as cicatrizes são mínimas
